domingo, 15 de janeiro de 2012

A Prostituta

  A prostituta caminha pelas ruas da cidade decrépita. Já anoiteceu há cerca de 5 horas. Não lhe interessa saber, com exactidão, o tempo. Sente-se a pairar algures num universo paralelo isento de 4ª dimensão.
  Há pouca luz e poucos são os que se deixam iluminar. A maior parte já se entregou a naturezas de outra ordem, que não da luz. Mas a prostituta não se esconde e, enquanto se encosta ao portão de metal, mais frio que a própria noite, de um armazém caído no esquecimento, ergue a cabeça.
  Abre o seu casaco de camurça e pelo verde decadente. Sobre a pele nua tem apenas uma camisa em chiffon, que deixa adivinhar formas de mulher, de alguém que não ela. Treme de frio mas, rapidamente, o seu interior repleto de nada e açúcar, se inflama.
  Os carros vão passando. Param. É este. Entra e, é na entrega que a sua mente voa. Conclui:

“O trabalho é bom. O sexo é bom. Ambos são necessários.
Quando o trabalho é o sexo, o bom transforma-se em mau. O prazer deixa de o ser, para se tornar noutra coisa. Um veneno de espécie corrupta e danosa, qualquer coisa como marshmallows.
O trabalho passa a ser mecânico e de tanto desafiar o que mecânico não é, rasga.
Morre-se pelos sentimentos alheios, morre-se por ser demais sem se ser nunca de si mesmo.”

 Levanta a cabeça, arranja a camisa, limpa a boca, sai,“Adeus”. Volta ao seu posto e apercebe-se que morreu. Não pode ser sua outra vez porque se deixou algures.

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